Desde já, muito obrigada por dispor um pouco do seu tempo, que é sempre pouco, naturalmente, para responder a algumas das minhas questões, sendo uma honra para mim conhecer alguém que tem dedicado grande parte da sua vida a pesquisar histórias para partilhar com os outros, ao mesmo tempo que respeita tradições e dialoga sobre o passado histórico português, criando também laços para o futuro, logo a aprofundar o saber dos conhecimentos da verdadeira Gastronomia em Portugal!
1) Segundo o jornal Público, Virgílio Nogueiro Gomes é “uma das personalidades mais influentes na Gastronomia em
Portugal”, para além de que, no seu próprio site, http://www.virgiliogomes.com/, se define como sendo um Gastrónomo, mas conte-nos tudo: como é
que, afinal, a Gastronomia entrou na sua vida e como é que é ser Gastrónomo em
Portugal?
Virgílio
Nogueiro Gomes: Com esta pergunta poderia ficar páginas e páginas a
responder. E começa pelo termo Gastrónomo que nem sempre é bem usado. Tudo vem
da forma como somos educados. Eu tive a sorte de nascer e ser educado na
província onde desde cedo aprendemos qual é o melhor pão, e a que sabem os
produtos alimentares. E ainda a manter as festas com os seus rituais
alimentares. Olhando para mim, ser gastrónomo, significa a busca pela boa
comida, a identificação dos produtos fundamentais e a organizar as refeições
com uma estética gustativa correta. Depois juntar-lhe o vinho ou bebida mais
conveniente.
2) Quais as suas principais referências na
nossa cozinha portuguesa?
Virgílio
Nogueiro Gomes: O património da cozinha portuguesa é o conjunto das
suas cozinhas regionais e que ainda são diferenciadoras. O pão é um elemento
estruturante e depois temos a costa com peixes únicos que devem ser cozinhados
o menos possível. No estrangeiro somos identificados com o bacalhau, mas o
nosso receituário doceiro é de exceção. Temos também um conjunto de carnes
Qualificadas que, a exemplo do peixe, devem ser cozinhadas o menos possível.
3) E qual é aquela receita culinária com que mais se identifica e faz sentido para si?
Virgílio
Nogueiro Gomes: Pergunta muito difícil. Acho que há duas receitas
nacionais apesar de terem variações de região para região: Caldo Verde e Arroz
Doce.
4) Fale-nos agora um pouco de Bragança, a sua cidade natal e ao mesmo
tempo o oitavo maior município português: estará em expansão?
Virgílio
Nogueiro Gomes: Mais do que expansão, será moda! É uma das regiões na
qual ainda encontramos autenticidade, o pão é há moda do antigamente, as couves
ainda sabem a couves e, fundamental, a hospitalidade e a forma como se serve a
alimentação. E ainda os enchidos, alguns únicos no país.
5) Quais os seus costumes mais brigantinos e o lugar/espaço que mais apetece revisitar e
sugerir às pessoas que estão neste momento a ler esta entrevista?
Virgílio
Nogueiro Gomes: Curiosamente estão a surgir locais de uma nova cozinha
e bem avançada. Em Bragança os restaurantes G e Porta são disso um exemplo e de
fazer inveja a muitos “estrelados”. Mas a cozinha tradicional continua a bom
ritmo e cito como exemplo os restaurantes Geadas e D. Roberto. Mas há mais!
6) Tendo em conta o seu livro “Dicionário
Prático da Cozinha Portuguesa”, editora Marcador, quer dizer que tem em
mãos a responsabilidade maior de defender a nossa Gastronomia, por sua vez
reconhecida, em Diário da República, a partir do dia 26 de julho de 2000, como
sendo parte integrante do Património Cultural
de Portugal, estarei certa?
Virgílio
Nogueiro Gomes: O dicionário nasceu de duas necessidades: ter um
registo consensual sobre a maioria das receitas portuguesas (e atenção pois há
muitas receitas que não são confecionadas de acordo com a tradição), e
encontrar de forma facilitada a explicação das receitas (muito úteis para
empregados de mesa terem uma explicação fácil a dar aos clientes).
7) Sem dúvida, “Um trabalho de extremo valor”,
segundo Maria de Lourdes Modesto, ou
seja, um manual bastante prático e útil, com o verdadeiro propósito de ser
consultado no dia-a-dia da nossa cozinha, para quem é profissional, ou
simplesmente um curioso por uma arte que vale a pena também, por outro lado,
reinventar, ou nem por isso, o que acha?
Virgílio
Nogueiro Gomes: O dicionário servirá a ambos, até para aqueles que têm
algumas dúvidas sobre os ingredientes de cada receita.
8) Pela primeira vez, e por intermédio de Portugal Cookbook Fair, teve lugar, na 87ª Feira do Livro de Lisboa, fruto da
parceria estabelecida com a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros,
APEL, a entrega de prémios aos livros de gastronomia publicados em Portugal,
que, segundo Tiago Silveira Machado,
em 2016 “publicaram-se em Portugal cerca de cinco livros de gastronomia por
semana, um dado relevante e que justifica toda a atenção que possamos dar a
esta indústria e aos milhares de profissionais que nelas trabalham”: concorda
com esta afirmação e com este juízo, no sentido de que devemos dinamizar mais e
mais o ponto de encontro entre os próprios autores e o público em geral?
Virgílio
Nogueiro Gomes: Concordo completamente. Publicam-se muitos livros mas
desconhece-se a utilidade da sua compra. Também estamos numa época na qual a
gastronomia está na moda e muita
gente compra livros para colecionar e ver as fotos. Parece-me que se deveria
alargar o âmbito dos prémios: por exemplo “O melhor de Cozinha Portuguesa”, “O
Melhor de Doçaria”, “Maior Contribuição para História da Alimentação”, ...
9) Para terminar, decididamente, Portugal
está na moda, do futebol à música, com a ajuda de Ronaldo ou de
Salvador, por exemplo, ou até mesmo, não menos importante, no campo da
política, com a eleição de Guterres para o cargo de secretário-geral da ONU, passando, depois, pelo turismo cada vez mais disputado lá
fora: mas até quando esta euforia toda, este estado de alma camoniano,
ou, doravante, o que é que será que está reservado para si, para mim e, aliás,
para todos nós, portugueses, num futuro próximo?
Virgílio
Nogueiro Gomes: Eu tenho algum receio das modas. Não reajo por impulso
às modas. Parece-me que nos deveríamos voltar mais para o sentido cultural da
alimentação e, a partir daí, encontrar soluções para grandes consumos, grandes
linhas de força alimentar. E o bairrismo, ou a defesa das tradições regionais.
Em conclusão, falar de Gastronomia Portuguesa é falar sobre as nossas origens e tradições, pois há momentos em que só nos apetece sonhar acordados e que de alguma forma nos inspire a viver mais e melhor no quotidiano sob as nossas próprias raízes!
E sem dúvida que, tal como está também descrito no livro “Doces da nossa vida”, a Virgílio Nogueiro Gomes importará falar-nos
sempre do “amor pela família, pelas
tradições, pelas raízes”, do amor que afinal “se vive e de que se faz uma cozinha”.
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